O Eremita Urbano: a vida monástica na cidade.
Por: Vida Eremítica
Tradução: Teófilo
Aparecido de Jesus
Observação: A vida
eremítica é possível a ambos os sexos, no artigo a autora parece ter colocado o
eremita como homem no sentido de pessoa humana. A autora é eremita urbana nos
Estados Unidos. (Ir.Gema)
O monaquismo urbano
funciona? O que é um eremita urbano? Como é por qual razão viver um estilo de
vida monástico solitário dentro da cidade? Quem são essas pessoas?
Ao longo dos séculos,
novas formas e expressões da vida monástica foram dadas, tanto na tradição
cristã do Oriente como do Ocidente. E elas continuam a desenvolver-se hoje, na
nova paisagem do mundo moderno, onde a vida do eremita, a do monge na solidão,
não se limita ao meio rural, mas também encontra seu lugar na cidade. Os monges
e monjas dos séculos XX e XXI serão eremitas e cenobitas, viverão em
comunidades e em solidão, no campo e na cidade.
A vida monástica tem
apenas uma regra: o evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo. O objetivo e o
propósito da vida monástica é a união com Deus, a unificação da pessoa, a
salvação humana, a iluminação e a sabedoria; numa palavra: a felicidade.
Portanto, a vida monástica, em todo tempo e lugar é um esforço comprometido e
consagrado de viver fielmente os preceitos de Cristo. A vocação monástica surge
sempre e onde quer que seja, como uma resposta direta ao chamado da graça. O
eremita urbano se acha imerso nos tesouros da tradição monástica, é uma
expressão integral no aqui e agora dessa mesma tradição.
O carismático e
audacioso Bede Griffiths, o beneditino que levou sua vocação monástica à Índia
e depois retornou, escreveu em The Marriage of East and West, que:
Seja qual for o destino
deste mundo atual, a necessidade real é encontrar um modo de vida que seja
capaz de sobreviver a todos os seus desastres. Durante o Império Romano, foi a
vida monástica que salvou o mundo […] os monges que fugiram para os desertos do
Egito, Palestina e Mesopotâmia fundaram um estilo de vida baseado na oração e
no trabalho sob condições da mais extrema pobreza e simplicidade; e
completamente sozinhos, eles sobreviveram ao colapso do Império Romano […] seus
ensinamentos e exemplos levaram à fundação de monastérios por toda a Europa,
lugares onde a base da nova civilização seria encontrada. Hoje em dia (…) está
havendo um ressurgimento da vida
monástica em todo o mundo […] que são centros de fermentação que poderiam
gradualmente transformar a sociedade e tornar possível uma nova civilização.
O mundo de Bede
Griffiths talvez pareça estar longe das metrópoles barulhentas como Nova York,
Chicago, Washington, Paris, Barcelona ou Hong Kong. Contudo, as verdades eternas
a que Bede se referiu são os imperativos evangélicos que suscitam a existência
da vida monástica; trata-se de maneiras novas e antigas, tanto hoje como ontem.
Isso que levou Bede Griffiths a viver a sua vida monástica em um mundo
distante, num Ashram Hindu, é o mesmo ímpeto que proporcionou solitárias
aventuras monásticas no coração da cidade.
Não há geografia, tempo
ou espaço onde o monasticismo não possa prosperar e onde a vida contemplativa
não possa crescer.
A oração, o trabalho, a
pobreza e a simplicidade são a base de
um coração monástico. Seja sozinho, como um solitário ou eremita, ou estando no
meio de uma comunidade, o caminho do monge e da monja é estarem imersos em
Deus, concentrados no evangelho de Cristo que vive sua vida, respiração seu
alento; é para ser mergulhado nos absolutos eternos sobre os quais não há
dúvidas, nem geografia delimitada; nem barreiras de idade, tempo, lugar,
cultura ou condição.
Em tempos passados, o
deserto era uma cidade, de acordo com o DJ Chitty em seu clássico trabalho
sobre monaquismo: The Desert a City. Hoje, talvez possamos dizer de outra
maneira: a cidade é um deserto. Mas o que esse deserto, que é tão fundamental
para a vida do monge, implica?
O deserto é a terra
desolada e selvagem; a solidão árida e o profundo silêncio. O deserto é a
reclusão onde o monge busca, em oração e penitência, o esvaziamento de si mesmo
(kenosis), a livre renúncia dos desejos egoístas; é aí onde ele se esforça para
o esvaziamento interior na expectativa do tempo de Deus (kairós), da
manifestação da graça divina.
O eremita urbano é um
tipo de monge entre os muitos que existem. E assim como monges em toda parte,
está consagrado a Deus através de votos ou promessas sagradas, sejam públicas
ou privadas, temporárias ou perpétuas. E são formuladas de maneira tradicional,
com a pobreza, a castidade, a obediência e a estabilidade; ou podem ser
expostos de maneiras criativas e inovadoras.
Mas o significado é o
mesmo. O monge é um consagrado, oferecido, entregue ao serviço completo de
Deus; inalterável em seu amor, cheio de uma extensa caridade que define seu
coração como um amante do Senhor e compassivo com suas criaturas.
O amor sustenta o
estilo de vida da vocação monástica. O monaquismo é uma vida de união e de
unidade, de comunhão e de comunidade, de silêncio e de solidão, de profundidade
e diversidade. O amor é o chamado; o amor, a vocação; o amor é o caminho, a
via, o significado e a recompensa.
Deus, e não um inventor
humano, é aquele que faz os monges. E ele os faz quando e onde quer que ele
queira.
Quando toda a
concentração do coração está fixa em Deus, a vocação monástica pode tecer um
fio estranho. Talvez não seja mais o mesmo sonho que se tinha inicialmente ao
embarcar-se na jornada monástica. Como a vida se desdobra, o mesmo acontece com
o chamado de Deus. A consagração, a dedicação, a imersão em Cristo, isto é o
que permanece; tudo o mais é circunstancial.
Portanto, à medida que
a graça de Deus se desdobra na história humana de uma pessoa, a delicada
sintonia de uma vocação monástica vai se ajustando ao indivíduo. Em outras
palavras, quem somos e o que desde a mão de Deus e o ventre de nossa mãe,
finalmente determina quem devemos ser e o que temos de ser. O mistério da
santificação às vezes se vê condicionado pela transição, mas sempre e em todos
os lugares repousa nas mãos de Deus.
Ser consagrado
significa viver na presença de Deus, centrar-se nele, dedicar-se a ele, e
pertencer-se a ele, não importa as condições de vida que, depois de tudo, são
só o entorno, e não a essência da vocação monástica. Não é surpreendente, então
(não deveria ser), que encontremos monges e monjas vivendo sozinhos na cidade,
a anos de distância e a quilômetros de onde sua jornada monástica começou. Isso
também faz parte do mistério da salvação.
A bela Regra de Vida,
criada há quase vinte anos atrás pelo Pe. Pierre-Marie Delfieux para a Comunidade
de Jerusalém, monges da cidade, diz:
[…] Você pode viver no
coração de Deus estando no coração da cidade, pois este também é o seu lugar de
residência. Seja um monge ou monja no coração da cidade de Deus “(N ° 128).
E isso é verdade tanto
para os indivíduos como para as comunidades. Na ausência de um apoio financeiro
que possa conceder a ilusão de segurança e confiança, ao mesmo tempo permitir
uma separação completa do mundo, o eremita urbano tem que sair todos os dias
para enfrentar a confusão e agitação da cidade apenas para viver E é exatamente
assim que tem que ser.
Ser “um monge ou monja
no coração da cidade de Deus” é trabalhar no meio da humanidade, sofrer os
problemas e dificuldades do trabalho, a disciplina das tarefas que fazem parte
do local de trabalho. Trabalhar no mundo real não é uma distração; é, antes, um
chamado ao mais generoso e absoluto imperativo: focar no coração, voltar-se
para dentro enquanto se permanece no trabalho do lado de fora. Não há dualidade
nesse processo. É um ato de unificação, parte e parcela da experiência
monástica: ora et labora (reze e trabalhe)
A tarefa de equilibrar
a vida interior contemplativa com o trabalho externo, se se estiver no centro
da cidade, requer uma perseverança particular. A princípio, parecerá impossível
permanecer contemplativo na atmosfera agitada da cidade. Mas não, não é
impossível. O coração clama a Deus: “Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tem
piedade de mim, pecador” e vai aprendendo, pouco a pouco, a orar com facilidade
em meio à atividade barulhenta e do frenesi selvagem da cidade. Com o tempo, o
monge no mundo entende que o centro mais profundo é a própria força
impenetrável da alegria, da fé, do espírito e da vida.
Mais tarde, em sua
regra, o padre Pierre-Marie diz:
O que os primeiros
monges saíram para buscar ontem no deserto, você encontrará hoje na cidade.
Toda a vida monástica é uma luta, e o monaquismo urbano chama os lutadores (de)
[…] Seguidores de Cristo: as bem-aventuranças os convidam para uma vida de
verdadeira luta no coração da cidade (nº 129).
Não há proteção alguma,
exceto Deus, para o eremita urbano que vive e repousa no mundo real, no meio de
uma realidade tão dura e nua como sempre foi o coração do deserto. Como os
Padres e Irmãs do Deserto, o eremita urbano conhece o isolamento e a ameaça da
natureza selvagem, o rugido das feras e a tentação do coração. Encontrar a paz
na cidade é andar com Deus no centro mais profundo do próprio ser.
O Monastic Typicon de
New Skete (1980) diz o seguinte sobre o trabalho:
Ao longo da história,
os nossos pais e irmãos na vida monástica têm ensinado que o trabalho não só é
necessária para o sustento, mas é igualmente importante como um meio de
autodisciplina e como uma ajuda para a oração, adoração e o pleno crescimento
individual. O trabalho, portanto, é parte
e parcela integrante de nossa vida, especialmente porque é essencial à
vida monástica em geral (números 71 e 72).
O eremita urbano,
ligado ao trabalho para as mesmas necessidades que caracterizam todas as
pessoas, terá sorte se puder obter seu sustento diário fazendo o trabalho em
sua casa, dentro da poustinia; mas nem sempre isso acontece. Na verdade,
raramente é possível. O monge que está no mundo deve aprender a se adaptar para
trabalhar sob as condições próprias de uma determinada profissão ou em qualquer
outro lugar, seja uma tarefa manual ou intelectual. O trabalho reúne o monge
com pessoas de todo o tempo e lugar. “Comerás o pão com o suor da tua face” (Gn
3,19); com o tempo, o próprio trabalho será doce para o monge, porque é apenas
outra expressão do canto interior do coração: “Senhor Jesus Cristo, filho de
Deus, tem piedade de mim, pecador”.
Dizem que o hábito não
faz o monge. Nem o trabalho. O que é essencial na espiritualidade monástica é
que o trabalho e qualquer outra dimensão da vida sejam caracterizados por um
espírito interno de recolhimento, pureza de intenção e total atenção. O
trabalho é um processo de santificação, não uma distração. À medida que
avançamos mais e mais nas profundezas da fé para realizar adequadamente a nossa
própria tarefa, tanto o trabalho como o trabalhador ver-se-ão imersos e
banhados pela luz da presença divina. Deste modo, o monge que está no mercado
(de trabalho) se encontra como em casa no mundo de Deus.
Na contemplação em um
Mundo de Ação, (Contemplation in a World of Action) Thomas Merton escreveu,
décadas atrás, o que pode talvez ter sido o prelúdio para os monges no mundo de
hoje: “Será que realmente escolhemos entre o mundo e Cristo, como se fossem
duas realidades em conflito totalmente opostas? Ou escolhemos a Cristo
escolhendo o mundo como é nele, ou seja, criado e redimido por ele? Será que
realmente renunciamos a nós mesmos e ao mundo para encontrar Cristo, ou renunciamos
a nosso “eu” alienado e falso para escolher nossa verdade mais profunda,
escolhendo tanto o mundo quanto Cristo ao mesmo tempo? “
O eremita urbano, quer
esteja imerso na solidão ou no trabalho
fora de sua ermida, procura integrar a vida contemplativa da Poustinia com o
mercado de trabalho onde se ganha a vida. Renuncia o falso eu e a
transcendência do espírito deste mundo, através da prática interior de
recolhimento e da oração contemplativa, purifica o coração e transforma o
melhor esforço numa harmonia pacífica que define a maneira correta de sustento.
O monge é chamado por
Deus para viver sozinho nele:
Monos/monachos = um;
sozinho; solitário.
Estando em comunidade
ou em seu eremitério, o monge se esforça para ser alguém com um único ponto de
concentração [focus]. Dentro do mercado de trabalho, o monge é um testemunho
vivo da santidade do trabalho, da bondade do mundo e da salvação da terra pela
misericórdia de Deus. Haja vista que a humildade deve caracterizar a vida de um
monge, a simplicidade, a caridade, a bondade, a ternura e a compaixão
exemplificam o desprendimento do coração que mantém livre o eremita e aquilo
que lhe capacita para viver no mundo sem ser mundano.
O eremita urbano se
esforça para renunciar ao que é mundano (centrar-se em si mesmo, ser egoísta,
arrogante, oportunista e falso) para descartar essas atitudes mentais que
impedem a sua comunhão com Deus e a harmonia com as criaturas deste frágil
planeta. O coração puro do solitário de Deus aprende a retornar ao mundo
quantas vezes for necessário; não como um aventureiro que busca prazeres ou o
poder material, mas como crucificado em Cristo, transfigurado por Cristo,
restabelecido à inocência e à santidade da vida. Gradualmente, a alma do monge
– é o que se espera – torna-se transparente, límpida, vazia e transbordante com
a alegria que só vem de Deus.
O “Monastic Typicon”
(tipógrafo monástico) da New Skete afirma que:
Oração e adoração são
as principais preocupações da vida monástica. Através das celebrações
litúrgicas, os monges participam dos mistérios da vida e da morte de Cristo,
abordando as realidades universais da ressurreição e transfiguração (n. 60).
O eremita urbano, em
comunhão com os monges e monjas de todos os tempos e lugares, vive, desse modo,
o mistério pascal do Senhor, ao entrar nas celebrações litúrgicas, quer na
liturgia das horas, quer na Eucaristia.
O ofício divino
estabelece as horas do dia, conduzindo a alma em espiral através da salmodia:
elevando-a, baixando-a, voltando-a para Deus e devolvendo-a à terra. O eremita
urbano, que trabalha no mercado de trabalho do mundo, não pode se dar ao luxo
de cantar tercia, sexta ou nona durante o dia. Mas sua oração interior nunca
deve cessar, o acompanha em todas as suas ações, nos trabalhos de interação
social, em todos os momentos e lugares em que somos mais livres para entrar
profundamente na oração da Igreja.
O eremita urbano tenta
celebrar o máximo possível as várias horas do ofício divino do dia, pois a vida
no mundo exige que o monge cuide de suas tarefas sem perder o centro de sua
vocação. Estão aí prima, laudes, matinas, vésperas, completas. Pelo menos parte
das horas regulares deve ser celebrada estando ele sozinho ou na sua paróquia.
Em algumas ocasiões, o eremita urbano pode se juntar a alguma comunidade
religiosa para a observância da oração litúrgica.
A sabedoria do deserto
é agora a sabedoria da cidade, da cidade de Deus. Seria insensato alguém
carregar-se demais tentando trabalhar de 35 a 40 horas por semana fora do
eremitério enquanto espera completar a liturgia das horas. Deus não precisa do
impossível. A regra da fé é simples: faça o que é possível; faça o que puder. E
faça o melhor que puder, com todo o seu coração, com toda a sua alma, com todo
o seu ser. Concentre-se no melhor da sua existência no que você dá a Deus, sem
esquecer o que você dá às pessoas.
Qual é a diferença
entre o monge mascate do selvagem Egito,
que de vez em quando saía para vender seus produtos no mercado, e o monge
de hoje que trabalha com um computador no
centro de Manhattan e tem que ir para o Brooklyn ou Queens pelo metrô? O que
importa é o espírito, o coração do monge, a substância interior. O que define a
vocação monástica é a singularidade de sua concentração.
A oração que é íntima e
que se desdobra a cada momento, a cada hora, consolida nossa união com Deus e
impulsiona a conversão de nossos corações repetidas vezes, tornando sagradas
não só nossas pobres e frágeis vidas, mas também tudo o que tocamos e todos nós
amamos. O monge é fermento no mercado de trabalho e permanece assim para
apreciar e usar proveitosamente o silêncio e a reclusão de seu eremitério,
mesmo quando ele passou muitas horas fora dele.
A liturgia das horas é,
do começo ao fim, a maior celebração do coração e do centro da vida monástica.
É a alegria dos cristãos e a alma do monaquismo. Cantar o ofício divino é
entrar de novo e de novo no eterno mistério de Cristo. Em cada tempo litúrgico,
seus textos ensinam o coração, renovam o espírito e unem a humanidade a Deus na
pessoa de Cristo, o único que ama a humanidade.
Em grande medida, o
monge pode celebrar a liturgia das horas em uma igreja da abadia com a
comunidade de irmãs e irmãos, ou na igreja paroquial em qualquer lugar da
cidade ou do meio em que vive. Isso não importa. No centro da liturgia está o
sentido pleno da vocação monástica: morrer e ressuscitar com Cristo segundo a
vontade do Pai a respeito da redenção do mundo.
A Eucaristia é o
alimento da vida monástica, é o seu sustento e a sua alegria. Encontrar um
monge que não gosta da liturgia é encontrar um tipo de monge ruim. Portanto, se
deve dispor de tempo e para participar apropriadamente da celebração da
Eucaristia. Ela é o coração e o centro da vida monástica. Pacômio e os monges
da cristandade oriental celebravam a eucaristia semanalmente, mas o privilégio
e a prática do rito latino a celebram diariamente.
Os cantos litúrgicos
que acompanham a Eucaristia fornecem sustento espiritual para a contemplação. O
eremita urbano sai da igreja depois de participar na liturgia e retorna à
cidade, volta ao lugar oculto de sua Poustinia trazendo a riqueza da Escritura
que foi lida durante a Eucaristia. Se for um pequeno apartamento num complexo
residencial ocupado (ou) num lugar vasto industrial ou profissional, o canto e
o significado da Liturgia das Horas e da Eucaristia permanecem com o eremita
durante todo o dia, todos os dias, alimentando seu coração e sua mente com
aquilo que permanece: o sopro vivo da vida contemplativa.
Finalmente, o eremita
urbano aprende a proteger a reclusão religiosa e a solidão, que proporcionam a
profundidade do silêncio e da concentração, indispensáveis para a vida
monástica. A integridade deste modo de vida e a constância pessoal do monge a
esta vocação, surgem da fonte de silêncio e solidão que amadurecem na reclusão.
No entanto, o monge da cidade nunca deve se tornar um eremita preocupado
consigo mesmo, alguém cuja tendência ao isolamento surja do auto-engano, como
se o mundo fosse algo contagioso que ele tem que evitar a todo custo. Uma
solidão equilibrada surge de uma visão saudável da realidade. O oposto é um
tanto defeituoso.
Viver no meio do mundo como um eremita urbano não é sacrificar ou minimizar a qualidade essencial da reclusão e da solidão necessárias para a vida contemplativa. Os eremitas urbanos geralmente não são reclusos. Voltar-se para o interior de si mesmo para a contemplação é uma disciplina do coração, não um ato de paredes e defesas. Os monges de todo o mundo têm que ir e vir enquanto apreciam e protegem o santuário interior da reclusão monástica, elemento essencial da vida do eremita. Eles fazem isso ao estabelecer e manter os limites apropriados.
A hospitalidade e as necessidades sociais fazem parte da realidade, essenciais para o equilíbrio psicológico e espiritual, nem mais nem menos. Elas, além disso, precisam ser harmonizadas, como tudo o mais, com a realidade da vocação do monge da cidade. Acima de tudo, o eremita urbano deve aprender a equilibrar sua reclusão e sua implicação secular, porque, estando sozinho, é urgente entender o que constitui uma reclusão monástica necessária no mundo e o que constitui o estar fora.
Os extremos podem ser melhor abandonados pelo estudo dos evangelhos de Jesus Cristo. O Senhor retirou-se para orar, descansou no deserto e depois voltou para a cidade. Da mesma forma, o monge no mercado de trabalho precisa se separar do mundo. Se os monges hoje têm que ser o sal do mundo, “o mosteiro” deve ser acessível a todos, de modo que eles, que estão no mundo e entram em contato com a vida monástica “possam saborear sua vida, sua adoração e sua mensagem “(Monastic Typicon of New Skete, No. 28).
O monge que deixa o santuário silencioso de sua ermida oculta para ir ao centro da cidade e caminhar entre os povos do mundo, o faz por necessidade e generosidade; ele faz isso para que o mundo saboreie e desfrute a vida consagrada, o que ela é e o que significa, convidando o mundo a participar da adoração e da mensagem da vocação monástica. Não devemos nos esconder da vida, mas abraçá-la, imergir todos os aspectos dela no mistério de Cristo à medida em que nossa existência entra na realidade da Páscoa; desde nosso batismo até o dia da nossa vocação. Assim, tudo é transfigurado pela graça de Deus e tudo participa da transfiguração de Cristo.
Para o eremita urbano,
esta integração harmoniosa de todas as coisas é o centro da vocação monástica.
É desse modo exato que sempre foi para a vida monástica ao longo de sua
história. É o ponto fixo de um mundo que gira, o lugar onde Deus e a humanidade
se encontram e onde a centelha da sabedoria brota para iluminar a terra.
Eu gosto de pensar que,
se, de repente, Bede Grifftihs ou Thomas Merton, ou qualquer um dos grandes
monges e monjas que são nossos antepassados espirituais participassem de um dia
ou uma semana na vida de um recluso urbano, se sentiriam o suficiente
confortáveis Eles reconheceriam o ritmo da oração, do silêncio, da solidão, do
trabalho, da hospitalidade, do estudo, da lectio divina e da liturgia.
Aqueles grandes
seguidores de Santo Antão, pai do monaquismo egípcio; ou de São Bento, que
codificou a vida monástica; ou dos muitos que existiam entre eles,
reconheceriam no eremita urbano, no monge do mundo, o mesmo desejo por Deus que
os conduziu durante toda a jornada espiritual. Eles reconheceriam o caminho,
porque é apenas um: abandonar tudo, abraçar tudo; embarcar em uma viagem do
coração através da escuridão e de lugares desolados, remotos e selvagens, no
deserto e na cidade; lugares onde a vocação monástica prospera e onde Deus
encontra a humanidade num singular abraço de amor.
Referências
– Chitty, D.J.
1961. The Desert a City. Oxford: Basil Blackwell.
– Griffiths, Bede, 1982. The Marriage of East and West.
Springfield, Illinois: Templegate Publishers.
– Merton, Thomas, 1971. Contemplation in a World of
Action. New
York: Doubleday.
Ao alcance mas
desacompanhado.
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