Sobre o eremitismo leigo, ou autônomo


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ATENÇÃO:  CONFORME AS NOVAS NORMAS DE SUA SANTIDADE O PAPA FRANCISCO, EM 2018, MONGE E MONJA SÃO NOMES DADOS APENAS A RELIGIOSOS DE CLAUSURA PAPAL NA VIDA CENOBÍTICA, RATIFICO QUE NOS ARTIGOS QUE SE REFEREM A EREMITAS COMO MONGES, FAVOR DESCONSIDERAR, EREMITAS SÃO RELIGIOSOS DIOCESANOS, OU APENAS EREMITAS SE FOREM AUTÔNOMOS OU COM VÍNCULOS A MOSTEIROS.

O laicismo consagrado era comum nos primórdios do Cristianismo. Havia apenas o clero (incluindo o alto clero) e os leigos.

A vida consagrada, era algo totalmente espontânea e partindo da inspiração de cada vocação. A pessoa oferecia sua virgindade para sempre a Jesus Cristo e em espírito de fé essa alma assumia com tamanha convicção essa consagração que jamais voltava atrás de seu propósito ainda que custasse a própria vida. 

Não havia uma expressão por parte da Igreja em acolher esse voto privado. Era algo pessoal, geralmente respeitado pela comunidade cristã, mas nem sempre bem acolhido pela família, que nos tempos antigos via o matrimônio como um ótimo negócio ! Basta vermos nas vidas das primeiras virgens e mártires por ex.: Santa Inês, Santa Dorotéia, Santa Filomena, e muitas outras.

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Santa Inês, uma das virgens que se consagrou espontaneamente a Deus.

Somente após a perseguição dos Cristãos que a vida consagrada foi tomando estrutura, a ponto de ser considerado um religioso apenas aquele que fez uma profissão pública, acolhida pelo Bispo ou seu representante legal, como nos tempos atuais.

Nos primeiros anos da antiguidade após a perseguição dos cristãos, houve um período de grande relaxamento na ascese e perfeição Cristã. Alguns Cristãos insatisfeitos com essa realidade se retiravam para  o deserto e ali viviam em oração e penitência. Alguns eram clérigos e outros eram leigos.

Para ser um consagrado, bastava desprezar o mundo e viver só para Deus até a morte. O primeiro passo era deixar o mundo, e tudo o que era do mundo: os costumes, as roupas, os prazeres, tudo o que estava contaminado com essa perversa realidade, que os estava impedindo a uma autêntica vida espiritual (COLOMBÁS 1977).

Em segundo lugar era necessário uma purificação da vida anterior. Chorar os pecados passados mediante um verdadeiro arrependimento e sincera compunção. A penitência verdadeira consistia em se considerar merecedor do inferno pelos seus pecados e jamais tornar a comete-los ! (Padres do deserto, MARIN 1891)

Em terceiro viver na imitação de Cristo, rezar incessantemente, e jejuar constantemente, sem dar muita folga aos sentidos. Dever-se- ia mortificar os cinco sentidos do corpo que folgavam em busca de prazeres. Por isso comer pouco, dormir pouco, falar pouco, e jamais ficar a vontade, era o mínimo que um bom eremita deveria mostrar na sua vida solitária. Outra característica comum era a vida de cela e retiro. Não se saía sem necessidade. A peregrinação era algo extraordinário, muitas vezes em circunstâncias penitenciais. Mas no cotidiano sempre guardar a cela e viver oculto.(COLOMBÁS 1977)

Entretanto, com o tempo foram crescendo os seguidores dessa forma de vida, e grande maioria deles tinham boa vontade para começar, mas não tinham luz interior para se auto formarem somente com a vida de oração. Foi-se tendo necessidade de preparar esses candidatos para se formarem a serem bons monges eremitas.

Nem todos eram bons cristãos ao ingressar no deserto, ao contrário !!! Muitos estavam até fugindo da justiça e viam no deserto uma maneira mais suave de escapar de uma rigorosa pena de morte !

Foram então selecionando alguns eremitas mais experientes, e esses iam formando os candidatos, de maneira simples, com conselhos breves chamados apoftegmas, que eram ditos uma vez na semana, e os mais novos deveriam observar e imitar as virtudes dos mais experimentados. 

Geralmente esse período de adaptação que não tinha um nome próprio, durava cerca de um ano. E terminava com um simples cumprimento: – ” Meu caro irmão, a partir de hoje, és um monge !” (COLOMBÁS 1977).

Não havia profissão nem consagração oficial. Ou se era padre, ou irmão. Estar fora do mundo já era o suficiente para a pessoa  ser um consagrado.

A Igreja na verdade nunca foi contra uma pessoa viver só para Deus, isso sempre foi louvado, e elogiado.

A vida eremítica “leiga”, ou autônoma, não tem nada de novo. Ela parte dessa liberdade espontânea que muitos santos tiveram de viver para Deus só, sem necessariamente emitir um voto público. Não faltam referências bibliográficas que atestam a veracidade histórica desse modo de vida, desde a Idade Média:

“A procura pela vida solitária, de penitências e mortificações, longe das cidades, não era prerrogativa só de religiosos . Desde a Idade Média vários leigos se aventuraram pelos ermos ou se dedicavam a cuidar de um santo em uma ermida, abraçando a vida solitária . O fenômeno chegava à Idade Moderna e talvez mesmo se acentuasse à época da Contra-Reforma … Vivendo com o trabalho de suas mãos, do cultivo de hortaliças e frutas e ervas silvestres, aplicavam- se em rigorosas penitências… “ (BORGES 1995, História Viva, Eremitas e beatas)

Muitos santos e santas assim viveram ainda que de modo transitório e outros por toda vida: São Bento, São Francisco de Assis, Santa Catarina de Sena, Santa Rosália,  São Nicolau, Santa Mariana, Santa Maria egipcíaca, Santa Juliana de Norwich, São Paulo Eremita etc… 

 Assim a Igreja se manteve por muitos séculos. Mesmo até o início do século 20, era comum a consagração privada ter um grande e respeitado valor, mesmo já havendo vida religiosa e votos perpétuos. Os eremitas leigos se separavam do mundo, vestiam hábito(com tecidos grosseiros e muito pobres) e viviam fazendo orações e penitências, sustentando-se ou por esmolas ou pelo trabalho de suas mãos. 

Como não sabiam rezar o Ofício em latim (os breviários eram de difícil acesso aos leigos), rezavam rosários, pai nossos, faziam múltiplas prostrações, devoções diversas, jejuns e muitas penitências. Por não serem considerados oficialmente religiosos eram chamados de Beatos porque não professavam votos, não rezavam o ofício divino, mas viviam uma vida toda para Deus separada do mundo (Vida de Santa Clara de Montefalco, PENA, 1991).

Como não é possível agradar a todos, haviam também os que não simpatizavam com os chamados beatos…Primeiro porque alguns deles eram tidos como milagreiros, profetas, visionários, que muitas vezes denunciavam pecados e delitos dos poderosos, e até alguns membros da autoridade da Igreja que viviam  de modo relapso! (BORGES 1995).

Um outro lado da vida eremítica leiga, são de religiosos professos que se separam da comunidade, e por já terem feito sua profissão, não sentem necessidade de emitir uma segunda profissão. Se sentem bem, vivendo como religiosos separados de modo autônomo. São religiosos professos, até mesmo sacerdotes, mas ” leigos eremitas” !   


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